Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin"
(IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da
Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de
artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria,
dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da
interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da
nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent,
2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as
telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São
Paulo (2010).
Sobre o prêmio Nobel da paz e a liberdade de expressão
Texto
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O mundo acadêmico e parte de outros mundos ficam atentos, a cada final de setembro e começo de outubro, aos anúncios dos prêmios Nobel. Neste ano, o prêmio pela Paz foi concedido à Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares, uma questão que a Coréia do Norte coloca novamente na agenda. O tema é recorrente para o Comitê Nobel norueguês. O primeiro prêmio relativo às armas nucleares foi concedido a Linus Pauling em 1962 por sua campanha contra testes dessas armas. Naquela época quatro países já tinham realizado testes desse tipo. O segundo foi concedido em 1974 ao ex-primeiro ministro japonês Eisaku Sato "por sua renúncia à opção nuclear para o Japão e seu empenho no avanço da reconciliação regional". Em 1974 seis países possuíam armas nucleares. Um terceiro prêmio relativo ao mesmo tema foi concedido em 1985 à associação Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear. Em 1995 foi a vez das “Conferências Pugwash sobre Ciências e Assuntos Mundiais”, época com fortes rumores sobre novos integrantes do clube nuclear. A Agência Internacional de Energia Atômica recebeu o seu prêmio em 2005: oficialmente eram agora sete países com arsenal atômico. A lista nos últimos anos incluiu a Coreia do Norte e, somando Israel que nunca declarou oficialmente ter armas nucleares, chegamos a nove. São seis prêmios Nobel contra cinco novos países com armas nucleares desde 1962.
O mundo acadêmico e parte de outros mundos ficam atentos, a cada final de setembro e começo de outubro, aos anúncios dos prêmios Nobel. Neste ano, o prêmio pela Paz foi concedido à Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares, uma questão que a Coréia do Norte coloca novamente na agenda. O tema é recorrente para o Comitê Nobel norueguês. O primeiro prêmio relativo às armas nucleares foi concedido a Linus Pauling em 1962 por sua campanha contra testes dessas armas. Naquela época quatro países já tinham realizado testes desse tipo. O segundo foi concedido em 1974 ao ex-primeiro ministro japonês Eisaku Sato "por sua renúncia à opção nuclear para o Japão e seu empenho no avanço da reconciliação regional". Em 1974 seis países possuíam armas nucleares. Um terceiro prêmio relativo ao mesmo tema foi concedido em 1985 à associação Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear. Em 1995 foi a vez das “Conferências Pugwash sobre Ciências e Assuntos Mundiais”, época com fortes rumores sobre novos integrantes do clube nuclear. A Agência Internacional de Energia Atômica recebeu o seu prêmio em 2005: oficialmente eram agora sete países com arsenal atômico. A lista nos últimos anos incluiu a Coreia do Norte e, somando Israel que nunca declarou oficialmente ter armas nucleares, chegamos a nove. São seis prêmios Nobel contra cinco novos países com armas nucleares desde 1962.
Essa agenda é sem dúvida importante,
mas ofusca outra derrota: há menos de três meses, em 13 de julho,
faleceu Liu Xiaobo, prêmio Nobel da paz de 2010 “pela sua longa e
não-violenta luta pelos direitos humanos fundamentais na China”. Liu
Xiaobo saiu da prisão somente para morrer alguns dias depois em um
hospital. Um dos direitos fundamentais de primeira geração é o direito à
liberdade de expressão. O título do editorial do Samoa Observer de 15
de julho [I]
traz uma citação direta do ativista chinês: “estrangular a liberdade de
expressão é esmagar os direitos humanos, sufocar a humanidade e
suprimir a verdade”.
A
liberdade de expressão tem uma história de conquistas que precisam ser
relembradas de tempos em tempos. Aqui eu rememoro o “Movimento pela
Liberdade de Expressão” da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos
anos 1960. É uma história interessante de um movimento em grande parte
espontâneo e crescente que conquistou o direito de liberdade de
expressão pública no campus. Essa liberdade de expressão passou a ser um
dos valores fundamentais de Berkeley, que tem um portal dedicado ao
movimento: http://fsm.berkeley.edu/, com
uma belíssima linha do tempo, não percam. Duas figuras emblemáticas eu
destaco aqui. O primeiro é o reitor na época, Clark Kerr, autor do
fundamental The uses of the university, e o principal líder do
movimento, orador brilhante (vejam na linha do tempo mencionada acima),
Mario Savio. O movimento foi o pivô de outros movimentos que se
espalharam pelos Estados Unidos, desdobrando-se em campanhas por
direitos civis e contra a guerra do Vietnã. Por outro lado, numa
sociedade polarizada, a complacência de Kerr com os estudantes foi peça
importante para a eleição de Ronald Reagan para governador da Califórnia
em 1966, que ato contínuo destituiu o reitor.
Mario Sávio faleceu em 1996, Kerr em 2003 e
Reagan em 2004. Em 2017 Donald Trump assume a presidência dos Estados
Unidos e seus porta-vozes espalham-se pelo país desfraldando em
palestras bandeiras ultraconservadoras e de ódios ao diferentes.
Somam-se a essas palestras manifestações dessa chamada direita
alternativa (alt-right) pelos campi estadunidenses, provocando protestos muitas vezes violentos em universidades da Virgínia [II] até a Califórnia [III].
Para a última semana de setembro estava programada a “semana da
liberdade de expressão” em Berkeley, organizada pelo grupo “Patriota de
Berkeley”. O evento acabou cancelado, resumindo-se à aparição de Milo
Yannopoulos, na mesma Sproul Plaza que consagrou Mario Savio, juntando
adeptos (150) e opositores (centenas) – ambas estimativas, segundo o Los Angeles Times, LAT.
E a liberdade de expressão, conquistada nos anos 1960 e que se
transformou em um dos seus valores mais queridos, parece estar sendo
desafiada em Berkeley. Não é por acaso que foi criado um portal dedicado
ao tema, que mencionei na semana passada: http://freespeech.berkeley.edu/. Esses desafios estão resumidos no artigo assinado por Rigel Robinson e publicado 22 de setembro no LAT, A liberdade de expressão é uma virtude. Gastar milhões para permitir o ódio não [IV].
Robinson dispara: “a semana da liberdade de expressão nada tem a ver
com o que seu nome proclama e sim com a naturalização da expressão do
ódio.” Completa dizendo que para garantir segurança para essa suposta
liberdade de expressão a universidade já gastou mais de um milhão de
dólares. Ler o artigo na íntegra ajuda a compor um painel. Assim como os
outros da aba news & opinions: http://freespeech.berkeley.edu/news-opinion/.
A seção de perguntas frequentes expressa o dilema que o discurso do
ódio e discriminação coloca para a administração de uma universidade por
lá: “embora a universidade condene discursos desse tipo (ódio), não
existe excepcionalidade para a expressão de ódio na primeira emenda (da
constituição americana)”. A resposta continua dizendo que se a expressão
de ódio insulta ou humilha uma pessoa ou grupo de pessoas com base em
raça, religião, origem étnica, orientação sexual ou gênero, passa a ser
ilegal. Mas: a suprema corte inúmeras vezes sustentou que proibições ou
punições a expressões de ódio violam a primeira emenda.
Em meio às tensões institucionais, a
reação da comunidade se contrapôs à semana da “liberdade” de expressão.
Alívio apenas momentâneo, pois uma pitonisa pós-moderna já poderia
dizer: o ovo da serpente da Lingua Tertii Imperii está sendo chocado. O
primeiro é um filme de Ingmar Bergman e o segundo, um livro de Victor
Klemperer. Pelo Google é possível juntar os pontos.
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