A luz vermelha
do alerta foi acesa nas redações. Esse é o recado deixado para os
repórteres pelo suicídio do professor Luiz Carlos Cancellier Olivo, 59
anos, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pelo que
já foi apurado pela Polícia Civil catarinense, no início do mês, o
reitor subiu no último andar do Beiramar Shopping e atirou-se. No seu
bolso foi encontrada uma carta que apontava como motivo do suicídio sua
prisão por um dia, no mês passado, na Operação Ouvidos Moucos, da
Polícia Federal (PF). Ele e outros cinco da UFSC foram acusados de
desviarem recursos dos cursos de Educação a Distância (EaD).
Os defensores do professor acusam a PF, o Ministério Público Federal
(MPF) e a Justiça Federal de terem lastreado todo o caso em delações de
colegas do reitor. Sem levar em conta a existência de uma disputa de
poder pela reitoria da UFSC entre os professores que estão organizados
em grupos políticos. Entre os defensores do reitor, há pessoas do
calibre do filósofo e professor de ética da Unicamp, Roberto Romano, uma
pessoa que dispensa apresentações. Ele publicou o artigo “Suicídio do reitor ou da universidade livre?”. Esmiuçar o seu conteúdo na busca de informações é trabalho obrigatório para os repórteres.
Esse é o contexto. E, dentro dele, qual é a responsabilidade do
repórter no suicídio do reitor? A resposta para essa pergunta se
encontra no nosso trabalho diário. Não tive acesso e, portanto, não li o
relatório do delegado da PF sobre a investigação do caso. Mas li, ouvi e
vi tudo que a imprensa publicou sobre a Ouvidos Moucos e o suicídio do
reitor. E também dei uma boa olhada nas informações que circularam pelas
redes sociais sobre o caso. O forte da cobertura da imprensa foram
notícias feitas com informações fornecidas pelas autoridades e pelos
advogados das partes. Não encontrei absurdo algum nas notícias
publicadas. Para sabermos com exatidão qual foi a nossa responsabilidade
no suicídio do reitor, a resposta não vai ser encontrada no que
publicamos. Mas no que não publicamos.
O que nós não publicamos é um trabalho próprio de investigação sobre o
caso. Não fizemos isso por ter interesse em manipular a opinião
pública. Não fizemos investigação própria porque as redações das grandes
empresas de comunicação do Brasil foram destroçadas: falta pessoal,
falta experiência na reportagem para a maioria dos editores, os salários
nunca foram tão baixos, e a carga de trabalho nunca foi tão grande.
Como chegamos a isso? Pergunte aos donos dessas empresas. Dentro dessa
realidade, nós estamos publicando como se fossem verdades definitivas os
conteúdos de relatórios de delegados federais, de pedidos de prisão do
MPF e de sentenças de juízes federais de primeira instância e de
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse procedimento é uma
tragédia anunciada, porque os conteúdos desses relatórios e dessas
sentenças são teses que serão debatidas durante o trâmite do processo.
No final, podem ficar comprovadas ou não. Ao noticiarmos esses conteúdos
como se fossem verdades absolutas é como se estivéssemos produzindo
diariamente uma Escola de Base – um grande erro jornalístico cometido em
1994 que virou símbolo do que não se deve fazer nas redações.
No caso do reitor, a investigação da PF ainda não está concluída. A
investigação está sendo feita em um ambiente que é um pesadelo para o
investigador, que é o acadêmico, onde a competição por cargos entre os
professores se soma à vaidade exacerbada pelo seu trabalho. Em um
ambiente desses, não existem nem verdades nem mentiras absolutas. Em 40
anos como repórter investigativo, eu trabalhei em muitos casos
envolvendo reitores e diretores de faculdades e aprendi que a disputa
entre os professores é um fator que o investigador precisa levar em
conta. A fragilidade das redações nos faz reféns dos conteúdos de
relatórios e sentenças. Isso é um fato.
A carência das redações em ter investigação própria veio à tona com a
Operação Lava Jato – há um farto material na internet que sobre isso.
Um exemplo recente. Na semana passada, nós noticiamos com destaque a
notícia de que o coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná,
Deltan Dallagnol, estava pedido uma perícia nos recibos de aluguel de um
apartamento, entregues pela defesa do ex-presidente da República Luiz
Inácio Lula da Silva (PT – SP) – as reportagens publicadas estão
disponíveis na internet. O que nós não publicamos é que qualquer prova
que seja anexada a um processo – contra ou favor do réu – é periciada. E
as suas informações são cruzadas com os conteúdos existentes no
processo. O grande destaque conseguido por Dallagnol nos noticiários
deve ser creditado à decadência das redações devido aos cortes em
pessoal, equipamentos e outros recursos. Esse é um dos motivos da fuga
dos nossos assinantes.
Frente a essa situação, o que nós, repórteres, podemos fazer? Não
podemos nos sentar e chorar. Nós, repórteres fomos treinados pelo
cotidiano a sobreviver em qualquer ambiente, por mais hostil que ele
seja. Sempre lembro isso nas minhas palestras aos novatos na lida
reporteira. Uma das saídas é começar a inundar os nossos textos
noticiosos com informações aos nossos leitores sobre o que publicamos,
do tipo: “…é uma versão de uma das partes”. Também podemos começar a
contextualizar melhor as notícias – isso pode ser feito com poucas
palavras do tipo “…a investigação ainda não está concluída”. Esses
pequenos cuidados mostram ao nosso leitor que não somos cúmplices dessa
situação. Nos últimos meses, eu tenho falado e escrito, sempre que surge
um gancho – que, no jargão dos repórteres, significa oportunidade –,
sobre a fragilidade das redações, trazida por uma série de decisões
empresariais equivocadas. No meio do ano, no 12º Encontro da Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), eu falei publicamente
sobre a falta de investigação própria das redações na Lava Jato. E
também de maneira reservada com os meus colegas na mesa do boteco. Tenho
lembrado aos meus colegas que tudo o que estamos produzindo sobre as
operações da PF sobre corrupção, com a Lava Jato e a Ouvidos Moucos, são
conteúdos que irão reescrever a história política do Brasil. Alerto aos
novatos na reportagem que a história costuma ser cruel com o repórter
que é enrolado pelo entrevistado.
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