Uma interação de 100 milhões de anos
Lançado
no Reino Unido, livro organizado por professor da Unicamp reúne estudos
internacionais sobre o mutualismo entre formigas e plantas
Edição de imagem
Fim
de tarde de primavera. Luz artificial na sala de trabalho do biólogo
Paulo Oliveira, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Nas
paredes, livros, mapas, fotos de formigas, recortes de jornais, artigos,
publicações científicas e lembranças de alunos, professores e
cientistas. A janela entreaberta ameniza o calor e o tempo seco. O sol
se põe do lado de fora. O canto dos pássaros invade o pequeno recinto.
“Muita gente pensa que aves e outros animais
grandes são os responsáveis exclusivos pela dispersão de sementes na
floresta. Os vertebrados são fundamentais, mas uma vez que a semente cai
no chão, as formigas são as dispersoras”, afirma o cientista.
Oliveira, na Unicamp desde 1983, é especialista em
interações entre formigas e plantas. Existem em torno de 15 mil espécies
de formigas identificadas pela ciência. As formigas, insetos sociais,
são responsáveis pela chamada dispersão secundária das sementes. O
trabalho
que realizam — de transporte da semente para o
ninho e ingestão da energia contida na polpa do fruto que tomba no solo,
deixando-o limpo e livrando-o de infestação por fungos — facilita a
germinação da semente.
A dispersão primária cabe a aves, macacos, morcegos
e outros animais maiores, como o lobo-guará, que são atraídos pelos
frutos coloridos e com polpa saborosa. Esses animais percorrem longas
distâncias e lançam as sementes dos frutos no solo, aumentando as
chances de as plantas colonizarem outros territórios e garantirem a
diversidade genética de um ecossistema.
A importância desses pequenos invertebrados, os
mais numerosos entre os insetos, em um ecossistema terrestre, aumenta à
medida que a ação do homem produz seus efeitos no planeta. Na era
geológica atual, que leva o nome de Antropoceno, um desses efeitos é a
onda de perda de biodiversidade, como a que cientistas projetam no
Cerrado brasileiro, caracterizada pelo desaparecimento de parte dos
animais grandes que realizam a dispersão primária.
As formigas sofrem menos as interferências da
atividade humana. Elas interagem com outras espécies de insetos, plantas
e vertebrados. Além disso, as formigas reinam no solo da maioria dos
ecossistemas terrestres do planeta, sendo os animais — junto com os
cupins — mais abundantes. “Imagine um quadrado na Amazônia de 100 metros
por 100 metros — ou 1 hectare. Contaremos 8 milhões de formigas. Amplie
agora isso para outras regiões tropicais do planeta e terá ideia do
quanto a formiga é comum”, comenta Paulo.
Recém-lançado pela editora Cambridge University Press, o livro Ant-Plant Interactions: Impacts of Humans on Terrestrial Ecosystems
(ainda sem tradução para o português) ressalta o papel ecológico
estratégico das formigas para a sobrevivência dos biomas no mundo e
dedica-se aos efeitos das alterações do homem no planeta na interação
entre esses insetos sociais e as plantas.
O
biólogo Paulo Oliveira e a pesquisadora Suzanne Koptur, da Florida
International University, organizaram o trabalho no qual 52
pesquisadores do mundo todo demonstram, em 452 páginas, que as
interações entre formigas e plantas podem ser extremamente benéficas. Os
estudos foram realizados em ecossistemas temperados e tropicais de
países das Américas e da África, no Japão, na Polinésia, na Indonésia e
na Austrália.
Os caminhos evolutivos de formigas e plantas vêm se
cruzando há 100 milhões de anos. Como representantes de diferentes
reinos, o animal e o vegetal, formigas e plantas envolvem-se em diversos
casos de mutualismo, gerando benefícios para as espécies envolvidas.
“Nove em cada 10 invertebrados que estão nas folhas das árvores são
formigas”, lembra Oliveira.
Um dos casos de mutualismo de defesa descritos no
livro acontece entre as formigas do gênero Crematogaster e as espécies
de um arbusto dominante nas savanas africanas, do gênero Acacia. As
formigas, que são agressivas, têm alto potencial para defender as
plantas contra herbívoros, como os elefantes.
“Para aumentar a presença de formigas nos galhos e
folhas, a acácia oferece em troca gotinhas de néctar, que são recursos
alimentares, ou moradia — quer dizer, espaço para a formação de
formigueiro”, aponta o biólogo da Unicamp. Toda a vez que o elefante
aproxima a tromba para arrancar as folhas, as formigas avançam
agressivamente para picá-la, afastando o grande mamífero e protegendo o
formigueiro e o arbusto.
O livro também apresenta outros casos comuns de
interação entre formigas e plantas: o transporte de sementes no solo. A
Biologia chama isso de mutualismo de dispersão. No Cerrado e na Mata
Atlântica, por exemplo, o chão está repleto de formigas. Oliveira
observa que acontece um processo de dispersão secundária de sementes nas
áreas em que a natureza está bem conservada nesses biomas.
O fruto cai naturalmente da árvore quando amadurece
ou porque algum animal de maior porte deixou-o cair ou descartou-o. Uma
vez no solo, há espécies de formigas que interagem com o fruto,
interessando-se pela parte carnosa e nutritiva. As formigas operárias
dessas espécies levam os restos de polpa para as que estão em estado
larval dentro do formigueiro.
“Até mesmo as formigas carnívoras, que caçam outras
formigas e lagartas, ficam interessadas nos frutos que têm na polpa
gordura e proteína”, explica o biólogo. “Na Mata Atlântica, há um gênero
de formigas, as Odontomachus (carnívoras), que pegam a semente que cai
debaixo da árvore e ajuda a colonizar outro pedaço de terra. Isso tem um
efeito muito importante no estágio inicial de vida da planta”, aponta.
O comportamento das Odontomachus e de outras 15
espécies para a dispersão da árvore Clusia criuva foi descrito pela
primeira vez em estudo realizado na Ilha do Cardoso, no litoral sul de
São Paulo. Quando retiram a polpa, as formigas limpam a semente e a
descartam nas imediações do formigueiro. A semente germina com mais
facilidade e as plantas têm mais chances de se desenvolver e chegar ao
primeiro ano de vida. O entorno do ninho é rico em nutrientes, como
nitrogênio e fósforo, em decorrência do material orgânico acumulado
pelas formigas.
O futuro dos ecossistemas
A intervenção do homem no planeta tem provocado
mudanças na configuração dos ecossistemas globais, como a destruição ou a
degradação de áreas nativas. A comunidade científica também estuda a
relação entre o aumento da temperatura média do planeta com as emissões
de gases de efeito estufa (GEE) no Antropoceno. Os cientistas
desconhecem com precisão como será o impacto dos efeitos das mudanças na
vida de todas as espécies. O desequilíbrio dos ecossistemas é um dos
indícios.
“Há
registros de áreas específicas nas savanas africanas em que a presença
de formigas invasoras no ecossistema tem gerado desequilíbrio. Uma das
consequências é que as acácias, antes protegidas pela interação com as
formigas do gênero Crematogaster, estão sendo devastadas pela ação dos
elefantes, que comem o arbusto desprovido de defesa”, diz Oliveira.
As formigas são indicadores do estado de
conservação de um ecossistema. Na hipótese de os pequenos animais
nativos desaparecerem, não haveria mais animal que aerasse o solo, que
ficaria mais compactado. A adubação decairia consideravelmente. Muitas
das plantas que as formigas protegem ficariam desprotegidas. Outras
seriam mais comuns, sendo dominantes. Muitos dos herbívoros que as
formigas combatem seriam preponderantes.
“É uma bola de neve. Quando há desequilíbrio, as formiguinhas são afetadas tanto quanto os outros animais”, destaca o biólogo.
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