08 Agosto 2017
O artigo é de Cristiana Dobner, publicado por L'Osservatore Romano, 07-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Westerbork: onde foram transportadas durante a noite entre 3 e 4 de agosto, e que foi assim descrito por Etty Hillesum: "No geral, há uma grande confusão em Westerbork, quase como em volta do último destroço de um navio em que se agarram uma profusão de náufragos prestes a se afogar. Às vezes, parece quase que seria mais fácil ser finalmente deportado, do que ter que sempre assistir ao medo e desespero daqueles milhares e milhares, homens, mulheres, crianças, inválidos, dementes, bebês, doentes, idosos, que em procissão quase ininterrupta desfilam ao longo de nossas mãos escorregadias".
Auschwitz: número 44074. Com um lacônico e burocrático comunicado: “Em 9 de agosto de 1942, na Polônia morreu Stein, Edith Teresia Hedwig, nascida em 12 de outubro 1891 em Breslávia, residente em Echt".
O jardineiro do mosteiro de Echt, um jornalista amigo e um jovem ex-deportado aproximaram-se dela nesses últimos momentos. Assim puderam se apresentar como testemunhas oculares aos processos que abriram o caminho para a beatificação e analisaram a vida e o testemunho diante da morte certa da fenomenóloga que se tornou irmã carmelita.
Dessa forma, é como se estivéssemos assistindo Edith Stein ao vivo. "Falava com humilde segurança, a ponto de comover aqueles que a ouviam. Uma conversa com ela (...) era como uma viagem para outro mundo. Naqueles momentos, Westerbork não existia mais ... Ela me disse: "Eu nunca pensei que os homens pudessem ser assim e... que meus irmãos tivessem que sofrer tanto". Quando não havia mais dúvida de que seria transferida para outro lugar, eu perguntei se poderia ajudá-la e (tentar libertá-la); ... novamente sorriu para mim suplicando que não fizesse isso. Por que fazer uma exceção para ela e seu grupo? Não teria sido justo tirar vantagem do fato de que ela fora batizada! Se não pudesse participar do destino dos outros, a sua vida seria arruinada: "Não, não, isso não!".
O jornalista Van Kempen encontrou-se diante de "uma mulher espiritualmente grande e forte". Durante a entrevista fumou um cigarro e perguntou-lhe "se ela também queria um". Ela respondeu-me que "Já havia fumado em certa época e que, quando estudante, também tinha dançado".
O jovem sobrevivente notou uma sua característica peculiar. “Ela era muito corajosa: as suas respostas espelhavam como ela era. Quando um SS blasfemava, ela não reagia, mas permanecia ela mesma. Absolutamente não tinha medo algum”.
Wielek, funcionário holandês, relata um diálogo em que "com confiança e humildade" Edith Stein disse: "O mundo é feito de contrastes ... Mas o final não será feito desses contrastes. Restará apenas o grande amor. Como poderia ser de outra forma?".
Do Carmelo de Echt às câmaras de gás de Birkenau. O destino em sete dias
(de Westerbork, por Ferdinando Cancelli)
Echt, Maastricht, Amersfoort, Westerbork, Birkenau.
Entre a prisão da noite de 2 de agosto até à morte nas anônimas câmaras
de gás em Birkenau passaram-se apenas sete dias: em uma única semana de
setenta e cinco anos atrás, cumpria-se o destino das irmãs Rosa e Edith Stein."Vem, vamos para o nosso povo", disse Edith incentivando Rosa que deixava o Carmelo de Echt entre lágrimas. As testemunhas relatam a presença de uma pequena aglomeração e de alguns protestos, apesar da máquina da Gestapo ter tomado todas as precauções para esperar as irmãs Stein não em frente à porta do Carmelo, mas no cruzamento com a Peijerstraat, uma centena de metros mais distante. Logo em seguida a porta de um carro se fechou sobre a vida de duas mulheres inocentes.
O Carmelo de Echt permanece o mesmo: uma austera fachada de tijolos vermelhos, um pequeno portão, a entrada da igreja voltada para a Bovensestraat, muitas lojas modernas que apenas poupam este pequeno trecho de muros de aparência antiga. Os campos de transição de Amersfoort e de Westerbork estão longe de Maastricht e de Echt, para a região nordeste da Holanda, perdidos em uma rede de canais e vias fluviais que trazem à terra o céu desse luminoso verão holandês.
Em 4 de agosto de 1942, Edith e Rosa, juntamente com muitos outros judeus, chegam em Westerbork. Ainda hoje, à esquerda da entrada do pouco que resta do campo de concentração, pode ser vista a casa do comandante: uma bela construção, agora encerrada por uma gigantesca caixa de vidro. As cortinas nas janelas do primeiro andar pendem imóveis e sombrias por trás dos vidros, os mesmos vidros de onde muitas vezes vários comandantes devem ter lançado olhares indiferentes sobre a tragédia indescritível de tantas vidas destroçadas.
O vidro – perguntamo-nos - protege a casa ou protege quem olha para ela? Poder-se-ia aguentar a visão direta, por trás das cortinas, de tamanha normalidade frente a tal abismo de sofrimento?
E para completar, as árvores: com emoção olharmos para os carvalhos, as tílias e as bétulas que se elevam por todos os lugares ao redor da área. Elas realmente são as últimas testemunhas diretas: naqueles dias de setenta e cinco anos atrás, muitas já estavam presentes quando Rosa e Edith esperavam para embarcar no trem que as levaria para a morte longe dali.
Caminhamos pela relva de um verde intenso dos campos pensando sobre aqueles momentos terríveis: a escuridão que é visível por trás das janelas da casa do comandante é apenas um pálido resíduo das trevas que envolviam naquele tempo a charneca de Drenthe.
"Tivemos um dia realmente estranho - escreve Etty Hillesum, que naquele agosto estava em Westerbork para ajudar as pessoas em trânsito - Um transporte trouxe católicos judeus ou judeus católicos, freiras e padres que carregam a estrela amarela em suas vestes monásticas. Lembro-me de dois meninos, gêmeos, cujo lindo rosto moreno evocava o gueto e que, com o olhar cheio de uma serenidade infantil sob o seu capuz, contavam amavelmente, no máximo um pouco espantados, que tinham sido presos às quatro e meia da madrugada e que em Amersfoort tinham lhe servido repolho vermelho (...). Por cima de tudo - continua Hillesum – o crepitar ininterrupto de uma bateria de máquinas de escrever: a metralhadora da burocracia (...). Mais tarde, alguém me contou que naquela noite havia visto um grupo de religiosas avançar lentamente na penumbra entre dois barracões escuros recitando os seus rosários, imperturbáveis como se estivessem no claustro de sua abadia. Também encontrei - conclui -. duas religiosas pertencentes a uma família judia muito ortodoxa, rica e instruída de Breslau, com a estrela amarela costurada em seu hábito monástico".
Em 9 de agosto de 1942 Rosa e Edith Stein, depois de dois terríveis dias de viagem, desapareciam junto a outros milhares de pessoas no abismo de Birkenau.
Leia mais
- Hannah Arendt, Simone Weil e Edith Stein. Três mulheres que marcaram o século XXI. Revista IHU On-Line, Nº. 168
- A empatia em Edith Stein. Artigo de Renaldo Elesbão de Almeida. Cadernos IHU, Nº. 48
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