Porto Alegre, um palco do petismo
Após governos do PT, cidade vê desgaste de Lula
Pablo Pereira,
O Estado de S.Paulo
21 Janeiro 2018 | 05h00
21 Janeiro 2018 | 05h00
Palco de acirradas disputas eleitorais, mobilizações
marcadas por fortes divisões políticas e por longos períodos sob comando
do PT, Porto Alegre volta a viver nesta semana um papel de destaque na
história do partido. Com o impeachment de Dilma Rousseff, que optou por
viver na cidade desde a perda do poder em Brasília, e o julgamento
da sentença de condenação por corrupção do principal líder da legenda,
Luiz Inácio Lula da Silva, a capital gaúcha acompanha um momento de
forte desgaste político do petismo.
Condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, o petista será julgado na próxima quarta-feira, 24, pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), na capital gaúcha. Militantes petistas prometem manifestações de apoio a Lula na cidade.
Condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, o petista será julgado na próxima quarta-feira, 24, pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), na capital gaúcha. Militantes petistas prometem manifestações de apoio a Lula na cidade.
“O Rio Grande do
Sul, com a qualidade de sua militância política, foi fundamental para o
PT”, avalia o professor de Ética e Filosofia na Unicamp Roberto Romano.
Ele argumenta que é preciso observar a existência da aposta em educação e
formação política regional bem anterior ao surgimento do PT, criado em
fevereiro de 1980. Para Romano, o Estado teve um positivismo preocupado
com a educação de massas, o que favoreceu uma forte consciência
política. A região tem tradição de uma militância “muitas vezes até
exacerbada”, desde os Farroupilha, do século 19. No século 20, criou
líderes populares relevantes, como Getúlio Vargas e Leonel Brizola,
lembra o professor. E o PT se beneficiou desse ambiente de consciência
política para se estruturar e, mais tarde, governar na cidade, no Estado
e em Brasília.
O professor explica que o partido foi formado por três
pilares principais: esquerda católica, militância do antigo Partido
Comunista Brasileiro e militantes trotskistas. "Na esquerda católica se
encontra, na região, forte marca do movimento rural, com características
patriarcais da agricultura familiar local", lembra Romano. Um exemplo é
o fortalecimento da militância de colonos, muitos deles desalojados por
barragens, que viriam, a partir dos anos 1990 a formar o MST. "É uma
característica diferente de São Paulo, por exemplo", compara o
professor. Ele pondera que "o MST nem sempre fecha com o PT", mas lembra
que há momentos nos quais isso acontece com força.
Radicalismos. Em 1990, outro momento
dramático da militância rural na cidade foi o Conflito da Praça da
Matriz, episódio que envolve a morte do policial militar Valdeci de
Abreu Lopes, então com 27 anos. Ele sofreu um corte no pescoço durante
confronto com manifestantes pró-reforma agrária.
A cidade vivia um clima de tensão desde o início
daquela manhã de 8 de agosto. Manifestantes que protestavam contra a
violência policial no campo e que ocuparam a praça diante do Palácio
Piratini, sede do governo estadual, foram desalojados pela tropa da
Brigada Militar, a PM gaúcha. Houve confronto. O que era para ser uma
manifestação pacífica se transformou em tumulto, espalhado pelas ruas
próximas do centro. A correria chegou à Avenida Borges de Medeiros com a
Rua da Praia, a quatro quarteirões da praça, no local conhecido na
capital gaúcha como a Esquina Democrática.
"Aquilo foi uma tragédia, que não precisava ter
acontecido", afirma o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS), dirigente
estadual do PT. "Foi resultado de uma repressão desnecessária da
Brigada Militar", resume o parlamentar. "Eu estava em uma reunião na
Assembleia Legislativa, que fica ao lado da praça, quando ficamos
sabendo", lembra ele. "Em vez de negociar, a Brigada partiu para a
repressão de um grupo de sem-terra", argumenta. "Não precisava daquilo",
alega.
No confronto, o soldado Lopes foi atingido por um golpe
cortante no pescoço, uma sem-terra foi baleada no abdômen e dezenas de
pessoas foram atendidas nos hospitais da cidade com ferimentos.
Para a Brigada Militar, o que houve naquele dia foi o
assassinato de um soldado, mais tarde promovido a cabo, "degolado
durante um confronto entre policiais e manifestantes do MST".
Homenageado pela corporação, o PM empresta o nome a uma praça, o Largo
PM Valdeci de Abreu Lopes, na Avenida Ipiranga, Centro, e a data do
crime, 8 de agosto, foi transformada no dia do Policial Militar Tombado
em Serviço.
Impacto. O prefeito da época era o
ex-bancário Olívio Dutra, eleito em 1988 como o primeiro petista a
comandar a capital, no que viria a ser um período de 16 anos de mandatos
sucessivos do partido no Executivo municipal. "O Olívio impediu uma
tragédia maior. Os agricultores perseguidos foram se abrigar na
Prefeitura e ele resistiu à retirada deles do prédio", diz Vargas.
Preocupado com o atual clima de um eventual radicalismo
na cidade, Vargas salienta que já mandou ofício ao governo estadual, do
MDB, alertando para eventuais provocações de "infiltrados" nos atos de
protesto nos próximos dias, quando Porto Alegre voltará a viver
manifestações, desta vez vinculadas ao julgamento do ex-presidente
Lula.
"Nós vamos fazer manifestações pacíficas. Nosso pessoal
está orientado para não permitir ninguém com rosto coberto. Todo mundo
deve estar de cara limpa", explica Vargas. "Já tivemos reunião com a
Secretaria de Segurança para debater o assunto", conta.
O dirigente petista critica ainda as "elites
conservadoras do País", defende a inocência de Lula dizendo que não há
provas contra o ex-presidente no caso do triplex do Guarujá (SP) e ataca
o que chama de "golpistas que não querem que Lula volte pelo voto".
"Derrotem ele nas urnas."
Partido. Sobre o atual momento do
petismo, ele afirma que o pior "foi em 2016" e que o partido hoje vive
um momento "ótimo". "Estamos nadando de braçada", diz. "As pessoas estão
vendo o que está acontecendo no País, com essas reformas da
Previdência, trabalhista, a situação da economia, a perda dos direitos
trabalhistas", argumenta. "Havia críticas, sim, ao governo do PT. Eram
críticas de quem queria ganhar mais; hoje as pessoas estão lutando para
parar de perder", resume.
Para o parlamentar petista, “o Rio Grande deu sua
contribuição ao partido, assim como outros Estados”. Mas Vargas discorda
que o partido tenha raiz principal nos movimentos rurais. Para ele, o
petismo teve forte influência do sindicalismo urbano de Porto Alegre e
de outras cidades industrializadas, como Caxias do Sul, que é a base
eleitoral dele.
"O Estado tinha um setor industrial significativo, com sindicalismo organizado". “Veja a histórica greve dos bancários (1979),
que tinha em Olívio Dutra uma forte liderança sindical”,
lembra, acrescentando que houve ainda a adesão ao partido gente que
resistia à ditadura militar, de intelectuais, de setores do
funcionalismo público, dos estudantes e da Igreja progressista.
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