Flores

Flores
Flores

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Artigo antigo, publicado no Correio Popular de Campinas. Ele é atual, atual...

Privilégio de Foro: licença para roubar

por Roberto Romano

O Brasil ainda está na situação de constituenda Republica. Nossa política exibe elementos suprimidos ou atenuados em outros países, como o privilégio de foro. Encontra-se no Congresso a proposta de emenda constitucional que aplica o referido privilégio para as ações de improbidade administrativa. Voltamos ao absolutismo, quando o governante era irresponsável e só prestava contas ao ser divino. A tese foi propagada por James 1, que se proclamou vice-deus e usou a Torre de Londres para esmagar democratas, advogados e juízes que cometiam a traição querer o soberano submetido à plebéia prestação de contas e às leis.

 Apavora saber que no Brasil membros dos três poderes aceitem um atentado à Constituição e aos princípios da igualdade, da moralidade administrativa, da responsabilidade prescrita aos agentes do Estado. A prática e a teoria de hoje, mesmo em monarquias como a Espanha e a Suécia, recusam doutrinas antidemocráticas. Entre os defensores da desigualdade agora retomada em nosso país, encontra-se Aristóteles. Segundo ele, os homens são naturalmente desiguais : "É por natureza que a maior parte dos seres manda ou obedece" (Política, 1260a 9). Da desigualdade brota a hierarquia social e política, alicerce dos privilégios. As desigualdades servem, no entender de Aristóteles, para a vantagem de todos, dirigidos e dirigentes. Aristóteles, filósofo rigoroso, deu nome exato ao regime tido por ele como o melhor. E este nome não é democracia. Em nossa terra, a folha de parreira hipócrita impede confessar que somos um Estado oligárquico e contrário à ordem democrática. Com frequência, no entanto, cai a folha e o país escuta frases terríveis : “a história da ação de improbidade é uma história de improbidades”. Silencio o nome do autor. Ao ler o enunciado, minha face tornou-se rubra, com vergonha dos que nos regem.

Não fosse o Ministério Público, alguns políticos e formadores de opinião, o descalabro seria maior. Em 09/03/2007, no auditório Queiroz Filho do MP-SP,  foi debatido o tema “Agentes Politicos e Improbidade Administrativa”. Os trabalhos, iniciados por Rodrigo C. Rebello Pinho (Procurador-Geral de Justiça) tiveram a coordenação de João F. Moreira Viegas, lúcido defensor da cidadania. Na mesa se pronunciaram Nelson Gonzaga de Oliveira (Escola Superior do MP-SP) Alexandre de Moraes (Conselho Nacional de Justiça), Plinio de Arruda Sampaio, Rodrigo Collaço (Associação dos Magistrados Brasileiros), José E. Martins Cardozo (PT-SP), Roberto Romano (Unicamp), Claudio W. Abramo (Transparência Brasil), Fernando Rodrigues (Folha de São Paulo), Franklin Martins (TV Bandeirantes).

Com pequenas discordâncias em alguns pontos, os que se dirigiram ao auditório lotado defenderam o império da lei. As falas indicaram os prejuízos da impunidade e os perigos do foro privilegiado. Dado impressionante: parlamentares, ex-prefeitos e ex-funcionários públicos paulistas respondem a 1.300 inquéritos, nos quais as cifras chegam aos R$ 36 bilhões. Celso Pitta (R$ 10,3 bilhões), Paulo Maluf (R$ 9,55 bilhões, Marta Suplicy (R$ 1,16 bilhão) e assim por diante. Existem 119 processos com base nas leis de improbidade administrativa e de ação civil pública contra administradores. Outros 40 transitaram em julgado, condenando políticos. Se voltarem aos cofres públicos, os R$ 36 bilhões, representam mais que o dobro do Orçamento da cidade de São Paulo (R$ 17,2 bilhões).

 Leitor: ao escutar a expressão “privilégio de foro”, saiba que ele permite, além da ruptura com a democracia e com a república, o roubo dos impostos tirados de seu bolso. Faça as contas, busque números do Brasil inteiro, compare com os serviços públicos (segurança, saúde, educação, transportes, etc) ao seu dispor. E mande cartas, mensagens eletrônicas, telegramas ou telefone para deputados, senadores, STF e Presidente da República: todo apoio ao Ministério Público, na luta contra quem se julga “superior” à cidadania e assalta, impune, a Nação.

Roberto Romano, é Professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp.  

Fonte: Correio Popular (Campinas) - 14/03/07

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.