Acredite: turma de MBA divide 138 por 138 e acha zero
Num país de tantas desigualdades como o
Brasil, onde grupos privilegiados distorcem os fatos para manter as
benesses, somente uma revolução educacional poderá mudar essa realidade.
“Do jeito que as coisas estão, caminhamos rapidamente para o fracasso
como nação”, diz, coberto de razão, o professor Hélio Arthur Irigaray,
da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da
Fundação Getulio Vargas (FGV).
Como educador, Irigaray lida com o que se
pode chamar de nata dos estudantes, aqueles que já passaram pelos bancos
das universidades e estão fazendo pós-graduação e MBA. Espera-se que
esses alunos apresentem um nível de conhecimento muito acima da média
nacional. Para desespero do professor, no entanto, o que se tem visto é
um despreparo total. Muitos dos que pagam até R$ 5 mil de mensalidade
não sabem sequer fazer cálculos básicos de matemática. Também não sabem
escrever corretamente.
“Outro dia, durante uma aula de matemática
financeira, pedi para os alunos fazerem um conta simples, dividir 138
por 138. Metade da turma disse que o resultado era zero, quando o
correto era um”, afirma Irigaray. Em outro momento, ele foi questionado
ao mostrar que 1/4 corresponde a 25%. “Me perguntaram como tinha feito
aquele milagre”, relembra.
Numa aula de português, um aluno, que tem um
importante cargo em uma multinacional em São Paulo, escreveu, em uma
redação, “faichetaria”, quando o correto seria faixa etária. “Fiquei
perplexo”, enfatiza o professor da FGV. Para ele, o desconhecimento
assustador de português e matemática é reflexo do descaso com que o
Brasil sempre tratou a educação. “Não importa o nível socioeconômico do
estudante, a formação é ruim em todos os casos”, emenda.
Irigaray conta, ainda, que, nas
universidades que oferecem bolsas a alunos carentes, os professores são
obrigados, muitas vezes, a chegarem duas horas antes do início das aulas
para tentar tirar o atraso no conhecimento dos estudantes. Não é uma
tarefa fácil. Além da formação deficiente, os alunos chegam com fome.
Absorver o que está sendo ensinado é desgastante demais.
Estado falido
Segundo Irigaray, esses exemplos só reforçam
a sua percepção de que o Estado brasileiro tem que passar por uma
mudança profunda. Deve concentrar todos os seus esforços em apenas três
pilares: educação, saúde e segurança. É para esses setores que devem ser
direcionados os elevados impostos pagos pela população. “É preciso
enxugar drasticamente o tamanho do Estado, tem que privatizar tudo.
Bancos, empresas. Não há porque o governo manter estatais que só servem
para cabide de emprego e para negociações políticas”, diz.
Uma máquina pública mais enxuta, na visão do
professor da FGV, poderia desenvolver programas de saúde que, em vez de
tratar de doentes, priorizaria a profilaxia, a prevenção. Na educação, a
opção seria por escolas de tempo integral, com professores
superqualificados. Certamente, isso ajudaria a diminuir drasticamente a
violência que tomou conta do país e provocou o desemprego. “Veja o caso
do Rio de Janeiro, onde lojas e restaurantes estão fechando por falta de
segurança”, ressalta.
Dentro desse processo de Estado mínimo,
Irigaray defende a reforma da Previdência. Para ele, da forma como está
estruturado hoje, o sistema de aposentadorias privilegia os ricos. São
eles que ficam com os maiores benefícios. A grande massa recebe entre um
e dois salários mínimos. “Portanto, a reforma da Previdência é
necessária, não apenas por corrigir as distorções do sistema, mas também
para conter o rombo das contas públicas. O governo não têm dinheiro
para mais nada. Não faz investimentos em infraestrutura nem destina
recursos suficientes para a educação, a saúde e a segurança”, destaca.
Ainda há jeito
Apesar do desencanto, o professor da FGV
acredita que o Brasil tem jeito. Mas será necessário uma sociedade mais
atuante, que escolha bem seus governantes e defina prioridades. Não pode
a maioria sustentar pequenos grupos que tomaram o Estado de assalto.
“Temos que acabar com o Estado patriarcal, cartorial, que funciona para
poucos”, frisa. Se conseguir romper com esse atraso e acabar com os
feudos que sempre estiveram no poder, certamente a educação, a saúde e a
segurança serão prioridades.
“Um país com uma população mais bem educada
atrai investimentos. Essa é a base para o crescimento sustentado”,
acrescenta Irigaray. Resta saber se a maioria acredita nisso ou prefere
manter o que está aí, um quadro de corrupção, de desmandos e de
desrespeito com aqueles que sustentam a máquina pública.
Brasília, 06h10min
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