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Associação de Docentes da Universidade Federal de Santa Catarina, artigos.
Crítica à Razão Acadêmica
Roberto Romano
Crítica à Razão Acadêmica, organizado por Waldir
Rampinelli e Nildo Ouriques, um volume essencial para as mentes
acadêmicas honestas.
Para todos os inconformados diante do poder corrupto e burocrático
que ronda as nossas universidades, um aviso: saiu um livro excelente,
com análises duras e verdadeiras sobre os campi. Faço referência à
coletânea editada por Waldir José Rampinelli e Nildo Ouriques : CRÍTICA À
RAZÃO ACADÊMICA, reflexões sobre a universidade
contemporânea(Florianópolis, Editora Insular, 2011). Artigos incluidos:
1) A liberdade sacrificada – Fábio Lopes da Silva
2) O Estado atual da educação supeior nos Estados Unidos – Frank
Donoghue (com agudíssima análise da situação norte-americana, com as
universidades que visam o lucro, paradigmas das nossas “universidades
privadas”, onde “privada”tem a polissemia imaginável, que fazem fusões,
ganham milhões, com dinheiro dos pobres e da classe média, e mais um bom
dinheiro dos governos “progressistas”).
3) A democracia na universidade brasileira: simulacro ou arremedo ? –
Waldir Rampinelli (um diagnóstico dos processos e métodos de imposição
autoritária nos campi, retroagindo aos tempos da ditadura, nos quais
Conselhos Universitários entoavam, em suas Atas e Ofícios, canções aos
tiranos de plantão, até os nossos dias, quando as espinhas acadêmicas
ainda, e como !, se curvam diante do poder, do dinheiro, das
oligarquias).
4) Ciência e Pós-graduação na universidade brasileira – Nildo
Ouriques (um dos mais lúcidos exames do processo de imposição
mercadológica e ideológica sobre os docentes e pesquisadores
brasileiros).
5) A apropriação privada da universidade pública- as fundações
privadas ditas de apoio – Ciro Teixeira Correia ( libelo perfeito da
delinquência travestida de “apoio à pesquisa e à comunidade”).
6) A universidade e os técnicos-administrativos, uma tensão
permanente – Elaine Tavares (eu o li antes dos demais, porque saímos, na
Unicamp, de uma longa greve de funcionários, na qual os nossos técnicos
não tiveram suas reivindicações atendidas, como fui um dos que apoiaram
publicamente a greve, fiquei interessado no texto, muito bem urdido e
apresentado).
7) Movimento docente na UFSC – os longos anos oitenta – Célio Espíndola e Marli Auras
8) E uma importante republicação do mais do que lúcido, profético,
texto com entrevista de Maurício Tragtemberg, A delinquência Acadêmica.
Da entrevista, dada ao Folhetim da Folha de São Paulo em 3/12/1978,
retiro dois trechos eloqüentes :
“A maioria dos congressos acadêmicos universitários serve de ‘mercado
humano’ no qual entram em contato pessoas e cargos acadêmicos a serem
preenchidos, parecidos aos encontros entre gerentes de hotel onde se
trocam informações sobre inovações técnicas. Revê-se velhos amigos e se
estabelecem contatos comerciais”.
“Não é tendo o poder na universidade que se tem o poder na sociedade
global (…) O messianismo acadêmico é uma desgraça. Agora, na medida em
que a universidade reflete contradições, existem intelectuais críticos e
intelectuais fascistas na universidade em si, a questão do pensamento
crítico na universidade não se resolve internamente e sim no plano
político maior, no plano das relações de poder (…) Só que as associações
que se criaram nesse país, os partidos políticos, como dizia o velho
Oliveira Vianna, são associações públicas de direito privado (…) São
meros clãs parentais, meros clãs feudais, meros grupos de pressão dos
interesses econômicos. (…) Agora, apressar pode ser negativo, estar
atrás também é negativo, mas estar muito à frente é mau porque fica na
vanguarda sem retaguarda. Nós vimos o que foi 64: excesso de vanguarda
sem retaguarda, quer dizer, muito chefe e pouco indio”.
Vocês já viram descrição mais lúcida dos partidos políticos
brasileiros, de esquerda ou direita? Desde longa data defendo que na
universidade não poderia haver poder, mas autoridade ética e científica.
Quando, nela, existe poder, trata-se de uma sujeição aos esquemas de
mando estatal ou econômico (na verdade, subserviência diante daqueles
mandos, incluindo mesmo o religioso). Um reitor não tem nas mãos os
monopólios da força, da norma jurídica, dos impostos. Ele administra o
campus com base no exercício, pelos donos do poder, daqueles monopólios.
Se imagina seu cargo como poder, é porque serve de correia de
transmissão, abandonando totalmente a autonomia universitária. Outro
ponto: o poder é soberano, mas a autoridade acadêmica é autônoma. São
dois conceitos e realidades distintas. Numa sociedade e num Estado
democrático, a luta maior é para que os referidos monopólios sejam
exercidos sob controle cada vez maior do povo soberano, o que implica
diminuir ao máximo a força dos operadores do Estado, se possível
chegando à sua destituição liminar, pela cidadania, como mostram os
exemplos históricos do século 17 na Inglaterra e do século 19 na França.
Mas enquanto existir Estado (lutemos para que tal período não seja
demasiado longo) existirá soberania, mesmo sob controle cidadão. E a
soberania não pesquisa, não ensina (lembro sempre o dito de Marx, na
Crítica do Programa de Gotha, segundo o qual o povo não deve ser
ensinado pelo Estado, mas sim o Estado pelo povo), não debate. Ela se
impõe e só conhece um direito se este vier trazido no bojo da força
cidadã (também recordo o dito de Spinoza : “o direito natural é o
direito do peixe grande comer o peixe pequeno”, daí a sua tese
democrática : os peixes pequenos devem se unir para formar uma força
maior do que a do peixe grande…).
Acontece, na fome de poder dos reitores e seus áulicos e aliados nos
organismos estatais, que impõem programas de “produtividade” acadêmica, a
mesma lógica denunciada por Marx, na Ideologia Alemã, para os jovens
hegelianos: os textos que resultam do produtivismo, são apenas
mercadorias baratas, “produtos de pacotilha”. Em tempo de mercado total,
com a dominação dos produtos chineses, baratinhos e ordinários, a
metáfora marxista é mais do que válida. Basta ver os “mestres de
pensamento” que se sucedem com rapidez fabulosa na lista dos mais
vendidos. Sistemas sólidos como as teias de aranha (ah, velho Francis
Bacon, quanta visão!) se sucedem nas paradas bibliográficas, nas teses
de mestrado e doutoramento, formando quistos de pequenas ortodoxias. E
pobre estudante ou professor que desafie o poder das seitas! Voltemos
aos “congressos”descritos por Tragtemberg. A única critica que eu faria à
sua fenomenologia da miserável consciência acadêmica, é que nossos
intelectuais. depois de 1978, não mais se parecem a gerentes de firmas,
mas a camareiras que vasculham alcovas para destruir os “inimigos” e
conquistar seus “postos de poder”. Simples assim.
Resumo: o livro vale a pena. Pessoalmente, irei divulgá-lo onde
puder, para que as jovens gerações saibam em qual terreno (minado pela
ganância, pela arrogância, pela sede de poder de acadêmicos) eles pisam.
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