25 Novembro 2017
As 13 folhas escondidas debaixo da terra foram reencontradas e “limpas” graças às novas tecnologias. Marcel Nadjari, no campo de concentração, estava no Sonderkommando: era forçado a lidar com os deportados destinados às câmaras de gás.
A reportagem é de Patrizia Baldino, publicada no jornal La Repubblica, 23-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Como eu poderia temer a morte, depois de tudo o que eu vi aqui?” Nas
suas cartas do inferno na terra, o campo de concentração de Auschwitz, Marcel Nadjari conta. Ele, um judeu grego, estava no campo de concentração como deportado, junto com seus pais e a irmã Nelli, que morreram logo depois do seu ingresso. Os seus textos, por mais de 70 anos, nunca foram lidos por ninguém.
Treze folhas arrancadas de um caderno, escritas na urgência de contar
o horror que ele estava vivendo e do qual havia sido forçado a se
tornar também parte ativa. Os nazistas o colocaram no Sonderkommando,
aquele grupo de prisioneiros que geriam a “eliminação” dos deportados
nas câmaras de gás. Uma tarefa terrível: acompanhá-los à morte, depois
mover os corpos, cortar os cabelos, recolher os dentes de ouro e, por
fim, queimar os restos.
A pior parte é a primeira, quando os prisioneiros destinados à
solução final lhe perguntam aonde estão indo e o que acontece naqueles
edifícios. “Para as pessoas cujo destino estava marcado, eu disse a
verdade.”
Uma vez nus, os prisioneiros iam para a câmara de morte, com os
chuveiros falsos de onde saía o gás. “Eles eram forçados a entrar às
chicotadas, e depois as portas eram fechadas.”
Marcel torna-se, de perto, a testemunha da loucura nazista. Ele não
tem medo de morrer, ao contrário, está convencido de que isso
aconteceria em breve. E, por isso, decide confiar seus pensamentos a
folhas de papel que, depois, esconde debaixo da terra. Uma recordação da
sua presença e uma advertência para a humanidade que viria depois dele.
Um testemunho importante encontrado por acaso em 1980 por um
estudante polonês que participava de uma escavação. O documento, que
havia ficado nada menos do que 36 anos debaixo da terra, estava muito
arruinado, quase ilegível.
Somente hoje, graças às novas tecnologias e ao avanço da informática, os escritos de Marcel foram finalmente traduzidos, contando uma das páginas mais atrozes do campo de extermínio.
“Todas as vezes que matam, eu me pergunto se Deus existe”, afirma ele em uma das folhas. Em outra, Marcel
escreve que se arrepende de duas coisas: não ter conseguido se vingar e
não ter podido dar aos outros prisioneiros uma morte mais digna e
“humana”.
O historiador russo Pavel Polian, que trabalhou na tradução do documento, fez outra descoberta inesperada: Marcel
sobreviveu graças ao caos provocado pela chegada do exército russo, que
obrigou os responsáveis pelo campo de concentração a transferir os
prisioneiros para outros campos.
Transferido para a Áustria, depois da vitória dos aliados, Nadjari foi libertado. Ele se refugiou nos Estados Unidos, onde se casou e trabalhou como alfaiate em Nova York. Morreu em 1971. Deixou uma filha, a quem foram entregues as folhas escritas pelo pai.
Agora, o precioso testemunho viajará pelas sinagogas – ele já foi lido na de Tessalônica, cidade natal da família Nadjari – para falar daquilo que Marcel queria transmitir: um pensamento de fraternidade e de solidariedade, sobretudo na dor.
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