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Flores
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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
Jornal da Unicamp : Relatório do Banco Mundial distorce dados e ignora a realidade do país, alertam especialistas
Relatório do Banco Mundial distorce dados e ignora a realidade do país, alertam especialistas
As
medidas propostas pelo Banco Mundial para o ensino superior público
brasileiro no relatório “Um Ajuste Justo – Análise da Eficiência e
Equidade do Gasto Público no Brasil” revelam desconhecimento sobre a
realidade do país, na medida em que se baseiam em premissas e dados
equivocados. Esta é, em linhas gerais, a análise de representantes de
organizações e entidades ligadas ao setor. “O documento faz uma leitura essencialmente
econométrica, desconsiderando a legislação e o modo de funcionamento do
ensino superior e da educação básica no Brasil”, afirma o
vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), Carlos Roberto Jamil Cury. Este ponto de partida, analisa, leva a
uma visão distorcida e reducionista do ensino superior. Exemplo disso é
a comparação do custo-aluno nas universidades públicas e nas
instituições de ensino privadas apresentada no relatório. De acordo com o Banco Mundial, o custo médio por
aluno da educação superior entre 2013 e 2015 nas universidades federais é
de duas a três vezes superior ao do custo em instituições privadas – R$
40.893 nas federais ante a R$ 12.625 nas instituições privadas sem fins
lucrativos. Jamil
Cury: “O documento faz uma leitura essencialmente econométrica,
desconsiderando a legislação e o modo de funcionamento do ensino
superior” | Foto: Reprodução“Esse
cálculo não leva em conta que as universidades públicas, além do
ensino, dedicam-se à pesquisa e à extensão, ao passo que o setor privado
é composto predominantemente por instituições que atuam no ensino de
graduação”, contextualiza o vice-presidente da SBPC. Também
desconsidera, na opinião de Jamil Cury o papel das universidades
públicas no campo da pesquisa e inovação, fundamentais para o
desenvolvimento do país. Para Robert Verhine, professor titular aposentado
da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o debate sobre a melhoria da
eficiência do uso dos recursos nas universidades federais enfatizado no
relatório é necessário, mas as diferenças entre os dois sistemas
precisam ser levadas em conta. “Não é uma comparação justa. As
universidades dedicam-se ao ensino, pesquisa e extensão, ao passo que o
segmento privado reúne instituições que atuam predominantemente no
ensino de graduação e não se dedicam a pesquisas”, afirma. Em artigo sobre o relatório, Nelson Cardoso Amaral,
professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Goiás (UFG), aponta que ao calcular o gasto por aluno, o
Banco Mundial considera todos os recursos financeiros aplicados na
instituição, dividindo o total pelo número de matrículas. Ou seja, o
cálculo acaba por incluir recursos aplicados em pesquisa, extensão,
pagamento de professores e funcionários na ativa e aposentados, além do
montante aplicado diretamente em ensino. “Quando se fala em custo do aluno é preciso separar
os custos com ensino do custo da pesquisa, da extensão, do hospital, do
custo das atividades culturais etc.”, assinala. Isolando-se esses
fatores, Amaral estima que em 2015 o custo médio do aluno de graduação
nas federais foi de R$ 13.875,57. “Esse valor é compatível com as
mensalidades cobradas pelas instituições privadas que, salvo exceções
(as comunitárias, confessionais e algumas particulares) dedicam-se
inteiramente à graduação”, afirma o pesquisador.
Renato
Pedrosa: “A literatura internacional mostra que em qualquer sistema de
ensino superior, em todos os países, há sempre algum grau de
estratificação social atrelada à diferenciação institucional”A
afirmação de que o gasto médio por aluno no sistema público está
aumentando também é contestada por Amaral: o Banco Mundial diz que o
volume de recursos investidos aumentou 7% desde 2010, mas cálculos do
professor, baseados na execução orçamentária, apontam para um aumento de
4,12%. Paralelamente, estudos demonstram que, no sistema
privado, as mensalidades e o custo por aluno não são necessariamente
menores do que na rede pública. Como observa Renato Pedrosa, líder do
Laboratório de Estudos sobre Ensino Superior (LEES) da Unicamp, as
instituições privadas que desenvolvem pós-graduação e pesquisa arcam com
custos de manutenção de laboratórios e pessoal especializado
compatíveis com os das públicas. E existem outros fatores que precisam ser levados
em conta, assinala Pedrosa. “O ensino a distância, que hoje domina áreas
grandes no sistema privado, como administração e pedagogia, tem custo
baixo, chegando a menos de R$ 2 mil por aluno/ano”. Em contrapartida,
cursos caros e que exigem laboratórios bem equipados – como medicina e
as engenharias – tendem a se concentrar no sistema público.
A eficiência em perspectiva
Além do custo por aluno, também é alvo de crítica o
indicador utilizado pelo Banco Mundial para sustentar o argumento de
que as universidades públicas – em especial as federais – são
ineficientes. O relatório afirma que o valor agregado aos
estudantes ao longo da graduação nas universidades públicas é semelhante
ao das instituições privadas, embora os cálculos do documento indiquem
que, nas primeiras, os custos são maiores. Para tanto, é adotado como
parâmetro a comparação entre o desempenho dos estudantes no Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) e no Exame Nacional de Desempenho de
Estudantes (Enade), nos moldes do Indicador de Diferença entre os
Desempenhos Observado e Esperado (IDD) – uma das referências para
avaliar a qualidade da educação superior do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). “O IDD não é um bom parâmetro de comparação porque
tende a favorecer as instituições cujos alunos partem de um nível de
desempenho mais baixo no Enem e que geralmente se concentram nas
instituições privadas.”, afirma Robert Verhine. Em contrapartida, no
sistema público, os estudantes partem de um patamar mais alto de
desempenho e tendem a atingir determinado nível, a partir do qual não
avançam. Por isso, o fato de o
valor agregado ser igual diz pouco sobre a qualidade da formação ou
sobre sua relação com os gastos, aponta Renato Pedrosa. Segundo o Banco Mundial, o baixo nível de
eficiência das universidades públicas brasileiras justifica duas
propostas apresentadas no relatório: a redução do volume de recursos
aplicados pelo governo nesse segmento e a cobrança de mensalidade. As
estimativas da instituição indicam que com 20% menos de recursos, as
universidades poderiam manter o desempenho atual. Com relação à cobrança de mensalidades, o argumento
é de que os alunos das instituições públicas tendem a ser das famílias
mais ricas, frequentaram escolas privadas e são minoria no total de
matrículas (cerca de 2 milhões num universo de 8 milhões em 2015). O reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, considera
problemáticos os argumentos em defesa da cobrança de mensalidade nas
universidades públicas por dois motivos: “Além de não levarem em
consideração muitas dimensões fundamentais, propõem a expansão do Fies
[Financiamento Estudantil] e do ProUni [Programa Universidade para
Todos], que vão na contramão de um fortalecimento de uma educação
pública de qualidade, com preocupações sociais relevantes, e
principalmente, gratuita”.
O
reitor Marcelo Knobel (foto) analisa o relatório do Banco Mundial, em
entrevista ao jornalista Jeverson Barbieri, da Rádio Unicamp.Ouça aqui:
O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes
das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Emmanuel
Tourinho, analisa que o relatório “ignora o papel das universidades
federais no desenvolvimento econômico e social, na produção científica e
tecnológica e no enfrentamento do mais grave problema do País, a
desigualdade social”.
Um perfil em transformação
Nesse sentido, Amaral, da UFG, analisa que a
proposta do Banco Mundial não leva em conta estudos sobre o perfil das
federais e cita como exemplo uma análise de 2014, que mostra que 51,4%
do total de matriculados nas instituições federais têm renda familiar de
até três salários mínimos e que 64% deles estudaram em escolas públicas
e, portanto, não pertencem aos estratos de renda mais elevados da
sociedade. “A universidade pública brasileira ainda reflete as
desigualdades do país, mas isso está mudando em decorrência das ações
afirmativas e das cotas étnico-raciais”, defende Dirce Zan, diretora da
Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. “Este é um processo recente,
cujos efeitos ainda não são totalmente perceptíveis, mas já existem
estudos mostrando que a universidade pública está mais negra e com mais
alunos das camadas menos favorecidas da população”, complementa. Dirce Zan: “A expansão das matrículas na educação básica é dos anos 1990. A transformação é lenta”Ao
mesmo tempo, segundo ela, o acesso à educação superior brasileira não
pode ser analisado separadamente do processo de expansão das matrículas
na educação básica. “A expansão das matrículas na educação básica é dos
anos 1990. A transformação é lenta”, diz. Além disso, mesmo com as ações afirmativas, é
esperado que algum grau de desigualdade persista no sistema, projeta
Renato Pedrosa: “A literatura internacional mostra que em qualquer
sistema de ensino superior, em todos os países, há sempre algum grau de
estratificação social atrelada à diferenciação institucional,
principalmente em sistemas que se expandem rapidamente, como foi o caso
do Brasil nas duas últimas décadas”. A experiência internacional também mostra que a
tentativa de cobrar mensalidades em instituições públicas para
economizar verbas públicas e trazer mais justiça ao sistema pode
acarretar a redução do investimento em educação superior, como ocorreu
no Reino Unido: em 2005, o investimento público no setor correspondia a
0,9% do Produto Interno Bruto (PIB); em 2014 caiu para 0,5%, segundo a
Organização para o Desenvolvimento e a Cooperação Econômica (OCDE).
“Países como a Alemanha experimentaram com a cobrança de mensalidades e
depois voltaram atrás”, exemplifica Pedrosa. Já o sociólogo Simon Schwartzman é favorável à
cobrança de mensalidades em universidades públicas. “A gratuidade ou não
da educação superior não deve ser determinada pelo setor da instituição
em que o aluno está matriculado, e sim pelas suas necessidades”,
afirma. “As universidades precisam ser eficientes e deve haver equidade
no acesso ao ensino superior. Mesmo que houvesse equidade, seria
necessário ser eficiente, para não desperdiçar recursos públicos ou
privados”. De sua parte, Verhine enfatiza a necessidade de as
universidades públicas diversificarem suas fontes de recurso. Simon Schwartzman: “As universidades precisam ser eficientes e deve haver equidade no acesso ao ensino superior”Nesse
contexto, Dirce Zan assinala que a proposta de cobrança das
mensalidades nas instituições públicas faz parte da pauta do Banco
Mundial. “É a retomada de uma fala da década de 1990, associada ao
discurso de que o setor público gasta muito e mal como justificativa
para uma reorientação das políticas educacionais. Não chega a ser
surpreendente que ela seja retomada num cenário de crise econômica e de
tentativa de reestruturação”, conclui. Mais sobre: O Banco Mundial contra-ataca
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