29 Agosto 2017
A história da foto do Papa Francisco com Jorge Luis Borges
parece retirada de um conto borgiano. Assim ocorreu este curioso
encontro entre dois dos argentinos mais importantes da história.
Bergoglio e Borges. A histórica foto entre o então professor e o escritor (Fonte: Semana)
A reportagem é de Cristina Pérez, publicada por Semana, 24-08-2017. A tradução é do Cepat.
É impossível não se assombrar diante da fotografia do encontro entre Jorge Bergoglio e Jorge Luis Borges. Reconstruímos a história da imagem que contém, talvez, o que Borges chamaria de “a memória do passado e a previsão do futuro, vale dizer, o tempo”.
A imagem, tomada em agosto de 1965, mostra o professor jesuíta Jorge Bergoglio – a quem seus alunos chamavam de Carucha, por sua “cara de bebê” – enquanto acolhe o já renomado Borges, na sala de visitas do Colégio Imaculada Conceição, da província argentina de Santa Fé. Seu rosto, com aspecto gentil, mostra-se comprazido ao dar as boas-vindas ao intelectual que aceitou dar algumas aulas de literatura gauchesca, convidado pelo religioso de 29 anos, que ainda não havia sido ordenado sacerdote.
No meio de ambos, outro professor de letras inclina a cabeça, evitando a câmera. “Eu tenho a cabeça inclinada por discrição. Escuta-me - ressalta -, esta foto faz 50 anos! Bergoglio era o professor de letras naquele momento... não era o papa! Eu não sabia que precisava recordar aquele momento para refrescá-lo tanto tempo depois”, responde Jorge González Manent, que chama a si próprio ‘o terceiro Jorge da foto’, enquanto tenta buscar em sua memória detalhes da única imagem existente conhecida até agora entre estes homens, tomada por um fotógrafo do jornal El Litoral.
A busca dos protagonistas de então nos leva às memórias profundas de alunos do quarto e quinto ano daquela época. Um deles é Rogelio Pfirter, diplomata argentino de vasta trajetória, nomeado em fins de 2015 embaixador do país no Vaticano. “Parece um jogo borgiano do azar se tornar o embaixador de um professor do secundário, que se tornou papa. Essa é uma simbologia que me emociona”, admite Pfirter. “O tempo nos fez andar por diferentes caminhos e nos unir ao final. Ter contado com estes dois homens juntos é uma experiência que meus companheiros e eu levamos gravada como algo excepcional”.
E o excepcional remonta àqueles dias, após o curso ditado por Borges, conforme relata o próprio Bergoglio, já como cardeal de Buenos Aires, ao escrever o prólogo do livro De la edad feliz, no qual outro dos alunos, o hoje jornalista Jorge Milia, evoca essas vivências. “Como exercício literário, pedia a eles para que escrevessem contos. Impressionou-me sua capacidade narrativa. Dos contos escritos, selecionei alguns e Borges os escutou. Ele também ficou impactado e incentivou a publicação. Além disso, quis escrever o prólogo”, recorda Bergoglio, no texto datado em 1º de maio de 2016, que parece dialogar com aquele prólogo de Borges ao introduzir o livro dos alunos, chamado Cuentos originales, que hoje adquire um indubitável tom profético.
“Este prólogo não somente pertence a este livro, mas a cada uma das ainda indefinidas séries possíveis de obras que os jovens aqui congregados podem, no futuro, redigir. É verossímil que algum dos oito escritores, que aqui se iniciam, chegue à fama e, então, os bibliófilos buscarão este breve volume à procura de tal ou qual assinatura, que não me atrevo a profetizar”, escreve Borges, no dia 7 de outubro de 1965.
Entre as joias daquelas lembranças, destaca-se uma anedota desconhecida que, entre sorrisos, Jorge González Manent nos apontou e que apresenta um inimaginável momento de intimidade entre o hoje papa e o escritor: “Lembro-me que íamos buscá-lo no hotel. Um dia, Bergoglio sobe para chamá-lo no quarto e demora mais do que se supõe para ir a um terceiro piso. Quando chegam, dissimuladamente, faço-lhe o gesto de ‘o que aconteceu?’ E, dissimuladamente, Jorge me diz: ‘O velho me pediu que o barbeasse’”. Em algum lugar, é possível que Borges sorri pensando que teve o papa como barbeiro.
É impossível não se assombrar diante da fotografia do encontro entre Jorge Bergoglio e Jorge Luis Borges. Reconstruímos a história da imagem que contém, talvez, o que Borges chamaria de “a memória do passado e a previsão do futuro, vale dizer, o tempo”.
A imagem, tomada em agosto de 1965, mostra o professor jesuíta Jorge Bergoglio – a quem seus alunos chamavam de Carucha, por sua “cara de bebê” – enquanto acolhe o já renomado Borges, na sala de visitas do Colégio Imaculada Conceição, da província argentina de Santa Fé. Seu rosto, com aspecto gentil, mostra-se comprazido ao dar as boas-vindas ao intelectual que aceitou dar algumas aulas de literatura gauchesca, convidado pelo religioso de 29 anos, que ainda não havia sido ordenado sacerdote.
No meio de ambos, outro professor de letras inclina a cabeça, evitando a câmera. “Eu tenho a cabeça inclinada por discrição. Escuta-me - ressalta -, esta foto faz 50 anos! Bergoglio era o professor de letras naquele momento... não era o papa! Eu não sabia que precisava recordar aquele momento para refrescá-lo tanto tempo depois”, responde Jorge González Manent, que chama a si próprio ‘o terceiro Jorge da foto’, enquanto tenta buscar em sua memória detalhes da única imagem existente conhecida até agora entre estes homens, tomada por um fotógrafo do jornal El Litoral.
A busca dos protagonistas de então nos leva às memórias profundas de alunos do quarto e quinto ano daquela época. Um deles é Rogelio Pfirter, diplomata argentino de vasta trajetória, nomeado em fins de 2015 embaixador do país no Vaticano. “Parece um jogo borgiano do azar se tornar o embaixador de um professor do secundário, que se tornou papa. Essa é uma simbologia que me emociona”, admite Pfirter. “O tempo nos fez andar por diferentes caminhos e nos unir ao final. Ter contado com estes dois homens juntos é uma experiência que meus companheiros e eu levamos gravada como algo excepcional”.
E o excepcional remonta àqueles dias, após o curso ditado por Borges, conforme relata o próprio Bergoglio, já como cardeal de Buenos Aires, ao escrever o prólogo do livro De la edad feliz, no qual outro dos alunos, o hoje jornalista Jorge Milia, evoca essas vivências. “Como exercício literário, pedia a eles para que escrevessem contos. Impressionou-me sua capacidade narrativa. Dos contos escritos, selecionei alguns e Borges os escutou. Ele também ficou impactado e incentivou a publicação. Além disso, quis escrever o prólogo”, recorda Bergoglio, no texto datado em 1º de maio de 2016, que parece dialogar com aquele prólogo de Borges ao introduzir o livro dos alunos, chamado Cuentos originales, que hoje adquire um indubitável tom profético.
“Este prólogo não somente pertence a este livro, mas a cada uma das ainda indefinidas séries possíveis de obras que os jovens aqui congregados podem, no futuro, redigir. É verossímil que algum dos oito escritores, que aqui se iniciam, chegue à fama e, então, os bibliófilos buscarão este breve volume à procura de tal ou qual assinatura, que não me atrevo a profetizar”, escreve Borges, no dia 7 de outubro de 1965.
Entre as joias daquelas lembranças, destaca-se uma anedota desconhecida que, entre sorrisos, Jorge González Manent nos apontou e que apresenta um inimaginável momento de intimidade entre o hoje papa e o escritor: “Lembro-me que íamos buscá-lo no hotel. Um dia, Bergoglio sobe para chamá-lo no quarto e demora mais do que se supõe para ir a um terceiro piso. Quando chegam, dissimuladamente, faço-lhe o gesto de ‘o que aconteceu?’ E, dissimuladamente, Jorge me diz: ‘O velho me pediu que o barbeasse’”. Em algum lugar, é possível que Borges sorri pensando que teve o papa como barbeiro.
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