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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

'Situação financeira enfrentada pela Unicamp é dramática', afirma reitor

entrevista da 2ª

'Situação financeira enfrentada pela Unicamp é dramática', afirma reitor

Reitor aos 49 anos daquela que foi escolhida recentemente como a melhor universidade da América Latina, Marcelo Knobel não usa meias palavras. Em sua opinião, a crise financeira vivida pela Unicamp é "dramática". 

O teto salarial de R$ 21 mil das universidades estaduais paulistas, afirma, é um "risco seríssimo" à capacidade das instituições de atrair os melhores profissionais. E, por fim, o ensino superior no Brasil é muito "engessado" e precisa de currículos flexíveis.
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Gabriel Cabral/Folhapress
Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, quer reorganizar finanças da universidade
Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, quer reorganizar finanças da universidade

Marcelo Knobel, 49

Nascimento
Buenos Aires, em 1968
Formação
Bacharel em Física, é doutor em ciências pela Unicamp.
Possui, também, pós-doutorado pelo Istituto Elettrotecnico Nazionale Galileo Ferraris, na Itália, e pelo Instituto de Magnetismo Aplicado, na Espanha
Carreira
- Reitor da Unicamp
- Professor titular do Departamento de Física
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Ele diz ainda que mudanças no vestibular são bem-vindas e defende as cotas para negros e estudantes de escola pública. Em maio deste ano, a universidade aprovou um projeto de cotas mais ambicioso do que o previsto nas universidades federais, e que será decidido em novembro.
Knobel prevê que a Unicamp tenha metade dos alunos de escola pública. O objetivo é que essa proporção seja atingida por curso e turno. Neste ano, pela primeira vez isso ocorreu entre os ingressantes. Prevê ainda a meta de 37,5% de alunos autodeclarados pretos, pardos e indígenas em relação ao total de alunos (e não só à metade reservada à escola pública, como ocorre nas federais).
Físico, Knobel inicia a gestão em um momento difícil para as três universidades estaduais paulistas. Com receita vinculada à arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), as três viram os recursos minguarem com a crise econômica no país. Os gastos com funcionários, porém, continuaram a subir. A Unicamp deve terminar o ano com deficit de mais de R$ 200 milhões.
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Folha - Como o sr. quer que seja lembrada sua administração na Unicamp?
Marcelo Knobel - Há muitas coisas que quero fazer. Posso citar algumas. Quero ser lembrado pela recuperação financeira da Unicamp em um momento muito crítico para a universidade pública. Faremos um esforço pelo equilíbrio financeiro. Pretendo abrir um debate para melhorar o currículo e, seguindo a tradição da universidade, incentivar a inovação.
Qual é a situação financeira da universidade hoje?
A situação é dramática. Temos um deficit de mais de R$ 200 milhões e não podemos nem queremos fazer demissões. Vamos tomar medidas para melhorar a gestão e reorganizar algumas áreas.
O que pode ser reorganizado?
A Unicamp, como as outras universidades estaduais paulistas, cresceu muito, rapidamente, respondendo a algumas demandas de expansão. Alguns processos, porém, não se modernizaram na mesma velocidade. Há alguns setores mais inchados do que outros. Hoje temos 650 contratos ativos. É preciso pensar em mecanismos de acompanhamento deles, ver quais podem ser renegociados ou não etc.
É possível reduzir a dependência do ICMS?
As três universidades públicas paulistas fizeram um esforço importante de ampliação da oferta de vagas no início dos anos 2000, com a promessa de um adicional de recursos que nunca veio. Uma tema urgente a resolver é o do hospital. A Unicamp tem um complexo hospitalar, atendemos uma população da ordem de 5 milhões de pessoas de toda as cidades da região.
Mas, como os recursos do SUS (Sistema Único de Saúde) estão congelados, estamos usando recursos do orçamento da universidade para bancar, o que compromete gravemente nossa situação [a previsão é que sejam gastos
R$ 308 milhões do orçamento com o Hospital das Clínicas neste ano]. Estamos negociando com o governo do Estado. É preciso que se encontre uma equação sustentável.
Nesse cenário, a Unicamp tem conseguido contratar e segurar bons professores?
Isso é algo que nos preocupa muito, tanto em relação aos professores como em relação aos funcionários. É difícil falar sobre isso em um país com tantas desigualdades, mas esse tema precisa ser enfrentado. Quem chega a ser professor já está no topo da pirâmide social. E, hoje, o teto salarial nas universidades é o subsídio do governador, que está em R$ 21 mil.
Líquido, esse teto fica em cerca de R$ 14 mil, abaixo não só do que acontece no setor privado, mas também da perspectiva de carreira das federais [que têm como teto o salário do ministro do STF, de R$ 33 mil] e muito abaixo do que acontece no mundo. Por que um jovem talento escolherá qualquer uma das três universidades paulistas?
Esse problema de atratividade já é perceptível hoje?
Já temos alguns casos de concursos sem nenhum candidato, de gente que se demitiu –especialmente em algumas áreas, como medicina. Falar que na universidade são pagos supersalários é falácia. O risco que temos com a questão do teto é seríssimo. A universidade pública como lugar de excelência está em risco.
O teto é vinculado aos ganhos do governador. Ele tem que aumentar o salário dele então?
É uma saída. Outra é uma proposta de emenda constitucional que está em tramitação na Assembleia Legislativa e prevê um aumento gradual do teto [trata-se da PEC 5/2016, que coloca como limite o teto dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, de R$ 30 mil].
Esse tipo de discussão com a sociedade não é fácil em um momento como o atual.
Precisamos mostrar com clareza o que teria acontecido se uma universidade como a Unicamp não tivesse sido criada. Para citar um exemplo, entre muitos: há 14 anos, criamos nossa agência de inovação e monitoramos as iniciativas criadas a partir dela.
Desde então, já são 500 [empresas] "filhas" da Unicamp, que geram R$ 3 bilhões por ano. Isso sem falar na formação de recursos humanos que vão atuar em todas as áreas. Se pensarmos no hospital, a não existência da Unicamp significaria um colapso no sistema de saúde.
O sr. citou que hoje há ameaças à universidade pública. Além da questão financeira, quais são elas?
Cada vez mais vemos na opinião pública contestações da autonomia universitária, que tem de existir sem que a universidade se feche à sociedade. Também temos ouvido vozes favoráveis ao pagamento de mensalidade [nas instituições públicas].
Por que o sr. é contra a cobrança de mensalidade?
Penso que é papel do Estado manter universidades por meio do pagamento de impostos. É falsa a ideia de que não se paga nada. Mas a ideia de retorno tem que fugir da lógica meramente financeira. Cursos como filosofia e física tendem a não existir numa lógica meramente mercantilista.
A Unicamp decidiu implantar um sistema ambicioso de cotas. Por quê?
A universidade é financiada pela sociedade, portanto ela precisa estar representada aqui. A diversidade é um princípio fundamental. Criamos alguns mecanismos, como a bonificação para alunos de escolas públicas, mas eles não eram suficientes para contemplar a população de pretos e pardos. Não vai ser a única mudança no vestibular.
Além das cotas, devemos abrir parte das vagas pelo Sisu, para gente do país inteiro poder se inscrever, e estudamos adotar outras medidas, como dar uma pontuação extra para medalhistas de Olimpíadas de matemática, de física etc. Há uma comissão estudando isso. Queremos mais estrangeiros, mais pretos e pardos, mais indígenas, mais pessoas com deficiência.
É fácil entender por que a diversidade é importante para a sociedade. E para a universidade, por que ela é importante?
A universidade é o lugar das ideias, das discussões. Quanto mais ideias, mais gente com diferentes vivências e opiniões, melhor. Diversidade é fundamental para a ciência. O debate plural, com respeito, é muito bem-vindo.
O sr. falou em mudar o currículo. O que gostaria de fazer?
Gostaria que fôssemos no sentido de ter uma formação mais ampla, com menos horas em sala de aula e mais em projetos e trabalho em equipe. Poderíamos pensar num núcleo básico comum de disciplinas, que não precisa estar necessariamente no início do curso, poderia ser transversal, ao longo da formação.
A ideia é pensar um currículo mais flexível, em que o aluno possa mudar com mais facilidade de um curso para outro, ou mesmo de uma universidade para outra. O ensino superior brasileiro é muito rígido. Essa é uma discussão que eu gostaria muito de abrir.

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