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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Estado e crise no Brasil Roberto Romano

 
Estado e crise no Brasil

Roberto Romano

A crise brasileira agravou-se e os seus resultados são imprevisíveis. Desde o começo de nosso Estado nacional existe desequilíbrio entre os três poderes. O Executivo assumiu, no espírito do movimento contrário às revoluções francesa e norte-americana, o controle das políticas nacionais. O golpe do Termidor acabou com o princípio democrático e abriu o caminho para a representação popular. No programa jacobino, seguindo Rousseau, a soberania popular não poderia ser representada. Legislativo, Executivo e Judiciário seriam sujeitos ao controle da cidadania através de eleições. Seriam eleitos os juízes e os promotores. Ainda hoje, nos EUA existem resquícios desta prática. O Termidor acabou com a democracia direta e acentuou a hegemonia do Executivo sobre as demais esferas do Estado. Quando os liberais, como Benjamin Constant, desejaram atenuar tal supremacia, idearam o poder moderador a ser exercido pelo Chefe do Estado (rei ou presidente) para diminuir o atrito entre os poderes. O poder moderador seria neutro.

No Brasil, tal doutrina foi torcida para garantir ao Chefe de Estado (desde Pedro I) o controle da instituição. O governante usou a sua prerrogativa não para harmonizar os poderes, mas para submeter o Parlamento e o Judiciário. A idéia da eminência popular foi afastada em favor desse modelo político.
Com a República, os privilégios do poder moderador foram herdados silenciosamente pela presidência da República, mantendo a permanente ditadura exercida pelo presidente sobre o Congresso e o Judiciário.

Onipotente em teoria, o Executivo precisa negociar as suas políticas com oligarquias regionais (representadas no Parlamento) e com forças sociais. O regime é presidencial e o Chefe de Estado aparentemente controla a República. Mas para adquirir maioria do Parlamento, ele deve ceder parcelas consideráveis de poder, nas chamadas negociações políticas. Para chegar aos seus alvos ele deve pressionar o Judiciário. Quando este último percebe que o Executivo foi além do suportável nas suas pressões sobre os tribunais e que ele ameaça os direitos da cidadania e dos outros poderes, ele assinala o seu veto em liminares e julgamentos onde o Executivo não vence etc. E aí, o presidente, os seus ministros, os seus partidos, usam todos os meios, legítimos ou espúrios, para dobrar a espinha dos juízes. Campanhas de imprensa, cortes dos recursos no orçamento, ameaças, perseguições. Tudo isso foi utilizado pela presidência e por ministros contra o Judiciário. Esta prática piorou nas ditaduras Vargas e militar.

Se queremos democracia no Brasil, precisamos repensar o Executivo e o Legislativo e definir com maior firmeza a essência do Judiciário. O modelo de Montesquieu é mais justo e eficaz do que os remendos de Benjamin Constant. A sua proposta, de início liberal, foi muito bem recebida pelo pensamento jurídico decisionista que torceu o conceito de poder moderador. Este não mais serviria como instrumento neutro, mas como técnica para subordinar deputados e juízes. Foi o que ocorreu no século 19 no Brasil. Foi isto o festejado em nosso modelo por Carl Schmitt. Enquanto vivermos com a idéia de um poder superior aos demais, teremos crises institucionais só resolvidas pela força ou pela corrupção. Golpes de Estado não precisam ser armados. 

“Soberano é quem decide sobre o estado de exceção”, dizia Carl Schmitt. Esta é, desde Francisco Campos (leitor de Schmtt), a única soberania conhecida pelos que manipulam o poder nacional. Este caminho não tem volta e conduz ao inferno do arbítrio e do mais triste despotismo.

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