Reflexão sobre a inveja. Mãe Stella de Oxóssi põe o dedo na ferida
A inveja, o desejo de ser aquilo que não se é,
de possuir aquilo que pertence ao outro, é um dos sentimentos mais
nefastos. Nesta Reflexão, escrita em linguagem simples e direta, porém
muito rica de sabedoria, Mãe Stella de Oxóssi, 92 anos de idade e uma
das mães-de-santo mais célebres do Brasil, fala da inveja e do valor
espiritual negativo que ela representa.
Por: Maria Stella de Azevedo Santos
Fonte: Site Geledés – Instituto da Mulher Negra: www.geledes.org.br
A minha função espiritual faz de mim uma
intermediária entre o humano e o sagrado e para exercê-la da melhor
maneira possível tenho como instrumento o Jogo de Búzios. Pessoas de
diferentes idades, raças e até mesmo credos, buscam a ajuda desse
oráculo. Surpreende-me o fato de que uma grande parte dos que me
procuram sente-se vítimas de inveja.
Engraçado é que nunca, nem um só dia sequer, alguém
chegou pedindo-me ajuda para se libertar da inveja que sentia dos
outros. Será que só existem invejados? Onde estarão os invejosos? E o
pior é quando consulto o oráculo e ele me diz que os problemas
apresentados não são decorrentes de inveja, a pessoa fica enfurecida.
Controlar o sentimento de inveja
Percebo logo que existe ali uma profunda
insegurança, que gera uma necessidade de autovalorização. Se isso
ocorresse apenas algumas vezes, menos mal, o problema é que esse
comportamento é uma constante. Isso me leva a pensar que cada pessoa
precisa olhar dentro de si, tentar perceber em que grau a inveja existe
dentro dela, para assim buscar controlar e emanar este sentimento, de
modo que ela não venha a atuar de maneira prejudicial ao outro, mas
principalmente a si, pois qualquer energia que emitimos, reflete
primeiro em nós mesmos.
Uma fábula sobre a inveja serve para nossa
reflexão: Uma cobra deu para perseguir um vagalume, cuja única atividade
era brilhar. Muito trabalho deu o animalzinho brilhante à insistente
cobra, que não desistia de seu intento. Já exausto de tanto fugir e sem
possuir mais forças o vagalume parou e disse à cobra: – Posso fazer três
perguntas? Relutante a cobra respondeu: – Não costumo conversar com
quem vou destruir, mas vou abrir um precedente. O vagalume então
perguntou: -Pertenço à sua cadeia alimentar?- Não, respondeu a cobra. –
Fiz algum mal a você-?- Não, continuou respondendo a cobra.- Então por
que me persegue?- perplexo, perguntou o brilhante inseto. A cobra
respondeu: – Porque não suporto ver você brilhar, seu brilho me
incomoda.
Ingênuas as pessoas que pensam que o brilho do
outro tem o poder de ofuscar o seu. Cada um possui seu brilho próprio,
que deve estar de acordo com sua função. Existem até pessoas cujas
funções requerem simplicidade, onde o brilho natural só é percebido
através do reflexo do olhar do outro.
Brilhar mais que os outros
Lembro-me de uma garotinha de apenas 10 anos de
idade que a mãe me procurou para ajudá-la, pois ela ficava furiosa
quando não tirava nota dez na escola. Comportamento que fazia com que
seus coleguinhas se afastassem dela. Algumas tardes eu passei
conversando com a garota. Um dia ela chegou me dizendo que não
aparesentava mais o referido problema, que até tirou nota dois e não se
incomodou.
Fiquei muito feliz, cheguei mesmo a ficar vaidosa,
pois acreditei que aquela nova atitude era resultado de nossas
conversas. Foi quando ela me disse:- Sabe por que não me incomodei de
tirar nota dois, Mãe Stella? Ansiosa, perguntei:- Por que? Ao que ela me
respondeu: – Porque o resto da turma tirou nota um. Rimos juntas da
minha pretensa sabedoria de conselheira e do natural instinto de vaidade
que ela possuía e que muito trabalho teria para domá-lo. O desejo que a
garota possuía de brilhar mais do que os outros, com certeza atrairia
para ela muitos problemas. Afinal, ela não queria ser sábia, ela queria
ser vista.
O caso contado anteriormente fez lembrar-me de
outro que eu presenciei, onde uma senhora repleta de ouro insistia em me
dizer que as pessoas estavam olhando para ela com inveja. Cansada
daquele queixume, disse-lhe que quem não quer ser visto, não se mostra.
A inveja é popularmente conhecida como “olho
gordo”. Se não queremos ser atingidos pelo olho gordo do outro, devemos
cuidar para que que nossos olhos emagreçam, não deixando que eles
cresçam com o desejo de possuir o alheio. Já que fazemos dieta para
nossos corpos serem saudáveis, devemos também fazer dieta para nossos
olhos, pois eles refletem a beleza da alma. A tendência agora é,
portanto, olhos magrinhos, mas não anoréxicos, pois alguns desejos eles
precisam ter, de preferência desejos saudáveis.
(*) Maria Stella de Azevedo Santos, Mãe
Stella de Oxóssi, é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador, Bahia,
um dos mais importantes terreiros de candomblé do Brasil.
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